Pré-formação de Teleco

Agora sei como se sentiu o universo surgido do nada, ou surgido de algo inimaginável. Mas o que sou eu? Não vejo, não ouço, não falo, minha única percepção é o tato. E uma sensação estranha de que falta algo dentro de mim. Como se faz isso? Invaginação, é esse o nome, suponho.
Sacarose não é como fermento, mas me faz crescer e mudar. Meu corpo cria metameria, estufa patas e antenas, e agora já vejo, ouço, falo. O ato de ver já me é algo controlável, percebo vagamente algumas criaturas de corpo semelhante ao meu. Em fila, andam apressadas e organizadas. Cortam um pequeno pedaço de uma das tantas hastes verdes ao redor e seguem, incertas talvez. Não posso ser tão diferente assim. Acompanho-as e corto um pedaço daquela haste verde com as quelíceras à frente do meu corpo. Não sei se isso se faz, mas engulo aquilo. Sou mesmo igual a elas?

Nunca me senti tão mole. Literalmente, meu corpo está incrivelmente mole. Ainda me encontro no local das tantas hastes verdes, mas já sinto outros impulsos. Contra a gravidade que me impulsiona interminavelmente para baixo, deixo meu corpo pendurar-se em algo por meio do que vem a cobrir toda a extensão do meu corpo. Não vejo na escuridão, não ouço de cansaço, não falo por não haver necessidade.
Um segundo de exaustão, mais um segundo de explosão do que antes veio a me cobrir, e num certo segundo seguinte é aquele em que a gravidade lhe devora ou aprende-se a voar. Olhos, ouvidos, penas, patas e bico com sons pronunciados em incríveis notas altas hiperafinadas numa indiscutível onomatopéia: bem te vi, bem te vi! Rodopios, piruetas e um mergulho seguido de algo continuamente terrível, repentino e altamente incômodo que abate meu corpo, e caio como uma das penas que por um minuto tive. Vêm as mudanças.
Risos, gritos, xingamentos, interjeições, correria. Claro que ninguém se toca com a minha aflição. Já entendo tudo e de tudo. Existe meio de fugir? Aos saltos, aparentemente a única forma de se chegar apressado à qualquer lugar, eu, de pêlo fofo e orelhas longas e pontudas, chego ao deserto e ao mar, imenso mar de sonhos inalcançáveis. Esses seres grandes me fazem querer mudar para me adaptar. Preciso beber, preciso fumar, preciso fugir dessa realidade.
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Leia o texto, ouça Alanis Morissette com Baba:

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Absolvição humana

O que há de ruim em ter uma vida preto e branco? Seus vários meio-tons não são tão alegres quanto seus máximos absolutos, mas, como um mímico com expressões supremas, sem vozes amenas, P&B é apenas o que há de se apreciar pelo mundo. Alguém já se perguntou se ele é feliz? Aparenta, obviamente, uma tristeza perceptível à grande distância, e só de olhar seu desespero em ausenciar-se do seu ovo, um medonho sorriso vem ao semblante daqueles que observam a tal figura deplorável contorcer-se amargamente em busca de uma saída.

Sair de onde? 

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Sair para onde?

Do mundo cego que não percebe o caos instalando-se em sua casa; salva-se o miúdo da multidão que percebe os males causados pelas substâncias químicas usadas para mover o corpo metálico, que resseca o ar respirável, derrete as geleiras das calotas, afoga os peixes em seu território úmido, polui e, gradualmente, destrói a casa de todos nós, mata a Terra.

Quem nunca sonhou com um lugar melhor para se viver? Sim, eu já sonhei. Este ser humano com seus gestos vive desse sonho. Buscando sempre uma saída da realidade cruel que a comunidade toda veio concretizando ao longo dos séculos. Não há como mudar da água para o vinho sob um simples toque divino. Criamos nossos monstros, mas também temos a capacidade de acalmá-los.

Sim, a Terra está quase que totalmente condenada à destruição prevista para 2012. Mas as saídas estão inacreditavelmente expostas às fuças desses políticos filhos da puta ignorantes que só pensam no poder de governar uma parcela da humanidade e ter lucros imensos sem muitas vezes pensar no bem daqueles que o puseram no poder mesas dos líderes mundiais. O que falta? Vergonha na cara, alguns podem dizer. Eu também diria, mas opto por outra resposta: autoconfiança. Enquanto não houver alguém com autoconfiança definida para transformar o futuro  de bem mais que 6.500.000.000 de vidas, a essência vital daquela que também respira, que também chora, que também sente dor, que também se decepciona com seus filhos e cuida deles acima de tudo, simplesmente se esvairá. PUF! Assim.

Meu pedido para o novo ano que chega é que todos, exatamente TODOS, abandonem suas ignorâncias e possam ver o estado em que se encontra a vida na Terra, e a vida da Terra.

Quanto àquele quase insignificante mímico, ele continuará tentando chamar a sua atenção para o que devemos fazer, assim como uma parcela de pessoas desses dez dígitos. Com seus gestos por mim interpretados e por ele confirmados, ele grita: “Abram suas mente e deixem os olhos verem além do que é mundano.” What more can i say?

Bom fim de ano.

Boa nova jornada.

Boa busca à felicidade.

Leia o texto, ouça Pitty com Só Agora:

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Ignor Ancée te despreza

Uma tarde numa praça ensolarada pode não ser exatamente agradável como tantos por aí dizem (nada contra quem aprecia esse ócio). Talvez possa até depender do local, quem frequenta, o que acontece nesse meio tempo. Situada em frente ao teatro mais respeitado e menos cuidado da região, imagina-se então pessoas comuns que freqüentemente tornam-se historiadoras aos mais jovens, moças não tem vez aqui, só há homens, quase um centro de cultura muito diversificada.

Não. This is (not) a lie. Ignor Ancée é a protagonista da minha linda história a ser contada pelas seguintes palavras.

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I
gnor Ancée classifica-se como a melhor forma de não saber o que ocorre ao seu redor, e ela é tão onipresente quanto o belo Deus Todo Poderoso. Esteja ela então, numa tarde quente e ensolarada de novembro, a passear pela melhor praça da cidade, selecionada especialmente para aprontar das suas (ô danada!), escolhida aleatoriamente a dedo.
Aos passos largos e jeitosos, balança o corpo todo num ritmo suavemente agitado pela brisa fervente em sua pele e cabelos. Veja só onde foi parar? Me diga, Ignor, como pode ser tão sapeca? Faz chover uma única poça de água suja?! Não entendo seu esforço em desgraçar o cômico, já que é tão bom rir, já que o masoquismo está tão em alta na estação. Seus trejeitos são incríveis, mas quem vem aí? Esquelético seu corpo, meu bem… levanta esse rabo daí, dá um up nessas patas, que eu tenho certeza que elas têm queimado e torrado durante muitos dias. Mas Ignor, meu amor, você já estava aqui? Não me disse de sua visita prévia. Seu colega agora vai beber naquela pocinha, que lamentável… deplorável.
Mas seus passos são largos, já está ao outro lado da praça. Ignor Ancée não cansa de suas práticas porque é mais prático não importar-se com o que veio ou com o que irá. Uau, que corpão moça, me dá um desconto aí… ou melhor, moço. Essa foi dispensável. É um absurdo ver que pessoas como essa andam por aí fazendo do sexo um instrumento de lazer e ofício. Onde estão as punições? Onde está a intervenção de boas pessoas? Mas se querem estar nesse modo de vida, que me importa então. 
Sob a blusinha e minissaia ou o terno e gravata, Ignor Ancée se disfarça para agir mais um pouco sobre essa ralé de gente fedida. Olhando do alto, mas sem ousar olhar diretamente para não ferir a mente com uma figura tão grotesca, aproxima-se então de uma mulher idosa sentada ao chão sobre uma camada de papelão sujo de sei-lá-o-que, magra, a pele flácida, calos distribuídos pelas mãos e pés, olhos tristes, cabelos desarrumados, face aparentando sofrimento até mesmo, talvez, num raro sorriso. A mulher, com seu olhar tristemente cativante, levanta o rosto para ver a figura alta e graciosa de feições tão suaves quanto a de um anjo, talvez seu anjo salvador. Ou um daqueles que vestem uma nova face para massacrar pessoas como ela. Ainda assim, a velha ousa dirigir-lhe a palavra: “Uma esmola, pelo amor de Deus!” e Ignor Ancée não ousa devolver-lhe o refrão, porque é isso o que todos fazem: passam reto, viram o olhar rápido, e dizem com um tom de medo como se aquela única palavra fosse a deixa para um tiro em seus miolos rústicos: “Perdoe.
Ignor Ancée apenas segue em frente, fingindo não ter atravessado o caminho tempestuoso de tantas pessoas, de tantos seres. Porque seu rastro sempre é visto por aqueles de visão mais atenta. Ignor Ancée te despreza, mais que você ao não declarar-se desprezador de algum aspecto que o rodeia.

Leia o texto, ouça Björk e 30 Seconds to Mars com Hunter:

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Verdadeira irrealidade

Viver o irreal. Não é isso que faz um ator? Reinventa sua realidade, adapta seus conceitos, estuda outros trejeitos de tornar-se o mais diferente possível daquilo que diz ser  o seu próprio ser. Um alter ego, talvez. Uma outra face multifacetada, capaz de demonstrar os melhores e os piores estados psicológicos de alguém real ou irreal o bastante para acreditar-se impossível sua inexistência. Mas não vale viver uma vida fake em prol de ter o que sempre quis, ou ser o que sempre sonhou. Mas, com todas as suas precauções, vale viver da vida fake visando ter o que sempre quis e ser quem sempre sonhou.

shakespearework

Familiarizar-me com as mentiras sentidas da melhor forma possível não está sendo uma representação prazerosa. Fluída facilmente, mas frequentemente exigente. E obviamente, não é nem deveria ser tão fácil quanto parece, ao deixar-se ir de todo para quem presencia os fatos do palco. Não consigo chorar.

Chorei antes, durante e depois na festa de formatura do ensino fundamental em passagem para o ensino médio, que eu mudei de escola. Não é fácil abandonar uma escola que já era uma tradição na sua vida. Foram 8 anos. Cinco minutos de concentração seriam suficientes pra me desidratar todo e começar a soluçar sem parar, mas agora só me fizeram uma pequena hidratação aos olhos mel.

Chorei e fiz mais do que deveria quando soube do Henrique, e sofri com uma separação que sempre foi presente. Ao lembrar agora, não choro e nem consigo ao mínimo marejar o globo ocular.

Chorei antes da minha última noite de sex, drugs & eletronic, fui magoado durante, usado como objeto sexual o tempo todo, onipresente no seu pensamento, ausente onde eu pensei que estaria por uma única vez. Queria mandar tomar no cú, mas já eram outros que controlavam minha mente, quase o Seu Etanol e a Dona Poeira. Chorei depois ao ver o choro da mulher da minha vida, a mulher que me deu a vida, a mulher que fez a minha vida. Arrependimento quase matou, mas agora já foi e não choro nem de lembrar da mamãe e seus olhos inchados. (Me desculpe, me desculpe…) Mas fez meus olhos marejarem, que infelizmente logo secaram.

O ponto seguinte é quase insignificante, mas ter uma briga feia com a pessoa desejada (que a Irmã Yasmin não trouxe em 7 dias), não foi fácil de enfrentar. Umas poucas lágrimas de raiva, mas nada realmente grande comparado ao anterior. Minha superação me deixou tão feliz, que agora não chorei de raiva, nem de mágoa, nem de cacete nenhum.

Obviamente posso considerar-me uma pessoa feliz, e sou feliz.
E de tanta felicidade, sou um ator de glândulas lacrimais secas,
quase impossíveis de produzirem lágrimas de tristeza.

Mais um último desejo

Certa vez, uma senhora, agora muito famosa, escreveu uma crônica que contradizia o que todos (ou boa parte do todo) queriam ler, ouvir e ver. Corajosa, ousada, determinada, ela recebeu o mundo de braços abertos para dizer-lhes uma pequena expressão de teor quase caótico aos seus ouvidos: “Te dana, meu bem!” A vontade de gritá-la é imensa; a necessidade que os outros têm de ouví-la é bem maior. Por que então não dizer? Só uma coisa há de impedir esse ato: bom senso, algo quase insano para discutir-se na sobriedade.

tedanameubem

Quero vergonha na cara,
Quero opinião sincera,
porque ter a vista cega
não faz parte dessa sucata.

Te dana, mundo.

Quero um mundo em prosa,
nada de poesia dolorosa.
Quero ouvir os gritos do povo
bradando a bosta desse país escroto.

Te dana, liberdade.

Dispenso os sorrisos plásticos
das bocas sujas de etanol e ácido,
com regurgitações palíndromas das promessas
dispensadas dos desejos de boas festas.

Te dana, inércia.

Não dispenso o olhar de um mendigo
pedindo “uma esmola, pelo amor de Deus!”
Perdoe? Me desculpe, senhor mendigo,
mas sua justiça é com aquele do chão, e não do céu.

Te dana, compaixão.

Não perdôo o que o homem fez;
Não acredito no que o homem disse;
Não leio as palavras do escrito “Deus, pelo Homem”;
Mas (re)vejo e sinto a sinestesia de tudo.

Te dana, religião.

Tenho um mundo calado
que guarda a sua poesia no peito.
Tenho um desejo guardado
de mandar, com todo o respeito,
foder o mundo. Mas para o desejo em vão,
não penso mais um segundo, e digo:

Te dana, coração, te dana!

 

Falece, em 04 de novembro de 2003, na cidade do Rio de Janeiro, a escritora
Rachel de Queiroz.

6 anos de ausência.
R.I.P., my dear.